terça-feira, 24 de maio de 2011

A Saga de Paulinho Láparo, o Magro - Capítulo XIV - A

Toda segunda-feira, um novo capítulo

Capítulo 14 A – Adro

 
- Dariã... Dariã!
Paulinho Láparo olhou na direção do homem que se exprimira assim. Aquele homem sujo e malcheiroso a seu lado.
Durante anos de sua vida, Paulinho Láparo, o Magro, levou consigo o desejo de percorrer a pé o caminho francês até Santiago de Compostela, partindo de Lorca Sainte-Marie.  Era a sua esperança de obter algumas respostas para as perguntas que o angustiavam, através do que pudesse vir a conhecer de si mesmo. A opção pelo caminho francês, além de ser o mais popular entre os peregrinos de Compostela, escondia uma possibilidade. Em Burgos, mediria coragem, conveniência e desejo de ir até Aranda de Duero. Na verdade, não pensava em chegar até a cidade. Entre a rodovia e Aranda, estava o hotel Tudanca-Aranda II, um confortável e barato “dois estrelas”, que, além de oferecer repouso aos viajantes, deixava à disposição destes a oportunidade de deliciar-se com os sabores fermentados na importante região vinícola espanhola. Uma das camareiras do hotel era... Anelize. Ali morava também a sua filha.
Paulinho Láparo, o Magro, retornou muito pior do que quando partiu. Sentia-se um farrapo humano.
O dia ainda nem estava para nascer quando subiu a escadaria da igreja. Sentou-se no cimento frio. Recostou-se na pilastra e cerrou os olhos. Sua solidão ecoou no silêncio da madrugada. Láparo não dormiu. Esvaiu-se. Sua mente mergulhou no nada e lá ficou.
O movimento do homem sentando-se ao seu lado recuperou-lhe a consciência. Láparo olhou para ele. Um homem alto, delgado, cabelos e barbas longos. A roupa não estava rota, porém extremamente suja, e aquele homem concentrava em si um cheiro absolutamente nauseabundo. Paulinho não esboçou nenhuma reação. Apenas voltou a cerrar os olhos. Sua alma fedia mais.
- Dariã... Dariã!
Paulinho Láparo olhou na direção do homem que se exprimira assim. Aquele homem sujo e malcheiroso a seu lado.
Sem que Paulinho percebesse, o dia já estava claro. Pessoas em quantidade passavam por ele e pelo mendigo e entravam na igreja. Gente bem vestida, de boa aparência e ar arrogante.
Magro se surpreendeu. No seu colo e caindo na base do vão das suas pernas entreabertas, algumas moedas e várias cédulas de dinheiro. O homem ao lado tinha um chapéu com a boca virada para cima e com dinheiro dentro.
- Eu não sou mendigo – disse Láparo, envergonhado.
- Não, mesmo! Você não é digno de ser um mendigo. Passe seu dinheiro para o meu chapéu e sinta-se melhor.
Paulinho lembrou-se que não comia há um dia e não tinha um tostão. Fez menção de recolher o dinheiro...
- Ainda, não. Deixe que atraia mais. Depois decide o que faz com ele.
E as pessoas continuavam a jogar dinheiro para Paulinho Láparo e o outro homem.
Duas mulheres elegantemente vestidas, porte altivo, conversavam paradas a alguns metros da porta da igreja. O mendigo virou-se para Paulinho:
- Vê aquela mulher maravilhosa de vestido azul-claro?
Paulinho viu.
- É a minha esposa. Dariã. Mãe de três filhos meus.
Paulinho apenas reagiu mecanicamente, olhando-o nos olhos, sem dizer nada, porém. O homem disse:
- Ela é como você!
- E como eu sou? – indagou o Magro.
- Você se envergonhou quando percebeu ter sido confundido com um mendigo pelas pessoas que entraram na igreja. Suas roupas estão limpas, você está lavado e barbeado. E você pensa que ser mendigo é estar sujo, dentro de um monte de roupa suja.  Mas você é um monumento vivo à indignidade humana. Você é um mendigo de si mesmo. E somente você pode lhe dar o que deseja e pede: autopiedade. Tudo que quer é sentir pena de você mesmo. Isso faz de você o farrapo humano que é e sente que é. Exatamente a visão que as pessoas têm dos mendigos: pobres coitados.
Paulinho Láparo, o Magro, não conseguiu sentir nenhuma emoção. Apenas perguntou:
- E que tenho em comum com aquela que diz ser sua esposa?
O homem sujo e malcheiroso olhou para a mulher maravilhosa de vestido azul-claro que conversava com outra diante da porta central da igreja, na luminosa manhã de domingo. Murmurou baixinho:
- Dariã...


Esta história terá sequência no capítulo 14 – B.  

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