terça-feira, 26 de julho de 2011

A Saga de Paulinho Láparo, o Magro - Capítulo XIV - B

Toda segunda-feira, um novo capítulo 

Capítulo 14 – B

Elos

- O que tenho em comum com Dariã, aquela que diz ser sua esposa?
Paulinho endireitou-se, encostando toda a sua coluna na pilastra da igreja, como se recompondo estivesse, a fim de oferecer mais ares à sua irritação.
-  Diga!
O homem não tirava os olhos da mulher. De Dariã.
- Venho todos os domingos, apenas para vê-la. Foi o que disse.
Paulinho Láparo, o Magro, sentiu sua irritação crescer.
- O que aquela mulher e eu temos em comum? Diga agora!
O mendigo voltou-se para Paulinho. Seu olhar era duro e frio, mas as palavras soaram calmas:
- Você está dando ordem a um homem que é senhor de si mesmo. Não obedeço nem a mim... Se o fizesse, não estaria ao lado de um chatarra fedendo a orgulho que não tem. Me entregaria ao amor de Dariã. Trastejo, mas não me rendo. Dariã não merece o meu amor. A vida tem seus próprios desejos, que raramente são os mesmos que tenho. Domino os meus desejos e aqueles que a vida quer me enfiar goela abaixo. Eis o homem que sou! E você, que tipo de homem é? Diga-me apenas que se sente um homem e farei soar um Ezan atemporal e aqui mesmo, para recitar cânticos em seu louvor.
Pela segunda vez, Láparo ficara sem ação diante do homem. E, sem conseguir dizer as palavras que queria, apenas indagou:
- Desafia a vida?
- Desafio e venço. Há apenas uma verdade para cada ser humano: nascer e morrer. A vida é apenas a lacuna que existe entre os dois extremos. A vitória que a vida terá sobre mim, já está escrita, é imutável... A minha morte. No resto, mando eu. Às vezes, faço concessões ao tempo... Nunca à vida!
Paulinho tentou tomar as rédeas da conversa:
- Você tem prazer em ofender-me?
- Não, somente atendo a seus apelos.
Agora, já não era mais irritação. Um furor agarrou Paulinho pelo pescoço e o ergueu de onde estava. O homem continuou sentado, e Magro libertou sua ira.
- Escute aqui, seu resto de gente! Já estou de saco cheio de sua filosofia barata. Não diga como preciso ser ou sentir. Tome um banho e veja se junto com esse mau cheiro sai também essa pretensão idiota. Conversa fiada, cara! Não há maneira de viver, a não ser do jeito que se vive. Toda manhã é maravilhosa, até que você acorda e levanta. E aí, imbecil, é desviar das pedras. Sua vida é a sua vida, e a minha é a minha.
- Eu sou dono da minha vida.
- Dono, o caralho! Quem é você?
- Eu sou o dono da minha vida.     
Paulinho Láparo, o Magro, não suportou mais ficar perto do sujeito. Desceu a escadaria, como que escoltado pelas pessoas que deixavam a igreja naquele mesmo instante. Terminara o culto. Estava ofegante e irado. Não gostava de conselhos e de reprimendas. Era como se tratassem de suas feridas com pontas de agulhas.
Atravessou a rua e agarrou-se a um poste. Respirava virando a cabeça para um lado e outro, como se o ar estivesse em fatias. Cerrou os olhos e trancou os dentes. Uma mão bateu-lhe forte no ombro e uma voz chamou:
- Vem.
Chamou e seguiu em frente. Era o mendigo. Paulinho Láparo estava tomado de fúria e dúvida. Não sabia se a raiva que sentia era do mendigo ou de si mesmo, por estar seguindo o cara. Acelerou o passo para alcançar o maltrapilho.
- Pra onde?
- Vem. Você não é tão merda quanto pensei.
- Eu parecia merda?
- Ainda parece, só que menos do que pensei, a princípio.
- Vou acabar matando-o.
- Isso é fácil. Quero ver é não matar, depois de umas coisas que vou lhe dizer.  


Continua no capítulo 14 - C

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