domingo, 13 de março de 2011

A Saga de Paulinho Láparo, o Magro - Capítulo X

Toda segunda-feira, um novo capítulo
  
Capítulo 10º - Pátria de ódio

Supo Zitório, o novo amigo de Paulinho Láparo, o Magro, era um especialista em criar situações constrangedoras. Gostava de frequentar locais obscuros e fétidos.
Viera de Durrës, cidade portuária do mar Adriático, na Albânia. Nunca estivera em Tirana, a capital. Desprezava  Kosovo, sem que sua ojeriza tivesse alguma causa ligada à cidade, ou à sua importância para a história contemporânea. Não, apenas fizeram-no corno, ali!
Orgulhava-se de um feito: com um único e simplório gesto, enlouquecera a velha tia Adana. Sua primeira vingança. Adana surpreendeu Supo durante a própria iniciação sexual, bem como da prima Stina. Quem deu ares de catástrofe ao episódio fora Adana. Dali para frente, a alegria da engelhada senhora era brandir seu parentesco com Enver Hoxha, o socialista, o fato de ser conterrânea de Agim Hushi, o consagrado tenor, e atazanar a vida do sobrinho.  Um universo de humilhações para Supo Zitório.
Parte da família de Supo, incluindo a tia, vivia na periferia de Kavajë, cidade interiorana do oeste albanês, a poucos quilômetros do mar Adriático. O traje permanente de Adana era um saião de linho cru. Surrado e puído, acabava sendo prático, já que não usava calcinha. Onde estivesse, atendia a vontade de urinar apenas abrindo as pernas e soltando-se. Para defecar, a velha senhora procurava as últimas sobreviventes das grandes florestas temperadas albanesas: as faias, que, aos pares com os carvalhos, delimitavam seu campo de resistência a poucos metros da sua casa – para esconder-se atrás dos troncos.Voltava com um molho de folhas, que espalhava entre as plantas do jardim. Ricas em tanino, as folhas de faia afugentavam pragas. Adana se posicionou para o alívio diário. Supo Zitório se antecipara à velha e aguardou atrás de outra árvore a manifestação fisiológica.  Aproximou-se sem nenhum ruído e apanhou as fezes com uma pá, antes que chegassem ao chão. Retirou-se sem que Adana percebesse sua presença. À indefectível conferência, onde estava a bosta? Certeza absoluta de que defecara. Fato é que Adana esvaiu-se em alucinadas dúvidas até o fim de seus dias. 
Para sobreviver, Supo prestava  assessoria a incautos, aliviando-os de parte de suas posses. Gostava de tomar rum e boza, alternando as doses de um e outro, e comendo arnavut cigëri, o apreciado fígado à albanesa. Certa feita, na mesquita Sheik Zamil Abdullah Al-Zamil, a imponente construção que projetou Shkodër como polo turístico europeu, Supo Zitório entrou completamente embriagado e gritando shtëpi,shtëpi, que, em albanês, quer dizer bordel. Conseguiu escapar para a cidade natal Durrës e, como clandestino de um navio cargueiro, deixou as terras balcânicas da Albânia, sem um único lekê sequer no bolso. Escapou das garras do diabo e voltou para ciceronear o Magro.
E ali estava Supo Zitório caminhando ao lado de Paulinho Láparo.
O sotaque era horrível, mas compreensível. Falavam a língua dos homens:
- E você, de onde é?
- Tenho uma terra natal a cada dia.
- Mas onde nasceu?
Paulinho Láparo sentia-se inebriado:
- Meu tédio morreu no beijo de Cidália. Ali nasci! Nascerei ainda mais vezes, quem sabe ao fim de outra trist... tristeza, não. As pessoas temem quem traz a tristeza na face.
- Nasceu de um beijo de puta. Você é um filho...
- Não diga, ou não caminha mais ao meu lado. Não que me ofenda, mas é constrangedor caminhar ao lado de um estúpido.
Era primavera, mas, para Paulinho Láparo, a brisa era fria. Partiram de Kavajë para Durrës. O primeiro trecho, fariam a pé. Paulinho Láparo queria contemplar o Adriático.
Valeu a pena. Do alto de um penedo, o Magro contemplou a imensidão adriática.
- Eis o mundo a seus pés, meu amigo.
Paulinho Láparo sorriu:
- Sempre, meu amigo... sempre!
Chegaram a Durrës à noite. Percorreram ruas e becos. Detiveram-se diante de uma tavernë.
Supo Zitório entrou na frente. O local era escuro, apertado e fedia. “Só pode dar em merda,” pensou Paulinho, que vinha logo atrás, no corredor estreito e mal-iluminado. Diante de uma porta, Supo Zitório voltou-se:
- Nosso encontro, meu amigo, não é um serendibiti. Beba no pote da sua vingança!
E abriu a porta. A sala era pequena. Oito belas mulheres em trajes sumários e provocantes, de pé. Oito homens assentados, cada qual portando um cachimbo de majestoso e ricamente ornamentado narguilé, o centro da roda e das atenções.
Entre os homens... mestre Flam Boyant:
- Neném Cabecinha!
Os olhos de Paulinho Láparo, o Magro, flamejavam a ira dos povos:
- Não... Sou o animal de carga do ódio!

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