domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Saga de Paulinho Láparo, o Magro - Capítulo VII

 Toda segunda-feira, um novo capítulo

Capítulo 7º - Como?
 
Sem conhecer o porquê, a verdade é que Paulinho Láparo, o Magro, não tinha uma clara recordação do seu passado. Suas memórias vinham em flashes e tais retalhos de reminiscências não revelavam a seu íntimo a  história  da própria existência. Sem elementos, não havia como conhecer e entender a si mesmo. O Magro flutuava entre certezas e indecisões e para nenhuma delas firmava convicção. Assim, estava ali trocando passos na  estrada sem fim, uma busca envolta em diáfanos contornos do que pretendia.
Pensamentos não se sujeitam a comandos. Vêm e vão, com ou sem razão. Chegou-lhe a lembrança do seu primeiro dia na escola... E não era um filme que alguém pudesse, livremente, querer rever. Tinha sete anos, pois antigamente era assim.  Quando a sineta declarou o fim da aula, saiu feliz da escola. No meio do caminho, um braço com uma mão peluda na ponta o agarrou com brutalidade:
- Aqui, vejam o menino que ateou fogo à caixa d’água!
A voz tonitruante, os arrancos e aquela acusação rasgaram-lhe o peito, suspendendo a respiração.
Alguém percebeu a dimensão do seu pavor:
- Ele está só brincando, menino, onde já se viu caixa d’água pegar fogo?
Não adiantou. Anteviu como única salvação o momento em que pudesse transpor a porta da sua casa. Correu desesperado até o limiar do ato de atirar-se aos braços do pai e, antes que o fizesse:
- Olha aqui, gente, olha quem está chegando do seu primeiro dia na escola, o meu querido filho, Neném Cabecinha.
Como? O que era quilo? Suas mãos perderam as garras, os dedos frouxos não suportaram mais o peso dos objetos escolares. Estes, escorreram-lhe pela perna, como se não quisessem cair.
Paulinho Láparo, o Magro, não gostava de sentir-se infeliz. Acreditava que a infelicidade é fácil, é uma zona de conforto para os derrotados. A felicidade, não! É para os fortes. Eles têm que lutar muito até que a arranquem das entranhas da vida.
A estrada que percorria, cortava uma elevação. De onde estava, a vista era bela e ampla. À sua direita, ao pé de uma baixada, um pequeno córrego. Às suas margens ,um grupo de pessoas ouvia alguém que pregava. Paulinho Láparo desceu até lá. Ao alcance dos seus ouvidos, a coincidência o surpreendeu. Um baixinho com traços orientais discursava sobre o piso de uma carroça para um grupo com diferentes traços e expressões nas faces:
- Existe a felicidade relativa, que é aquela obtida através da satisfação de um desejo ou da eliminação de um sofrimento – o carma negativo. E há a felicidade absoluta, aquela que surge da própria vida das pessoas, não causada pelas situações exteriores. O objetivo da recitação do Odaimoku é construir uma vida que não seja derrotada pelos obstáculos, e que tais obstáculos sejam uma oportunidade para o crescimento, ou seja, para o alcance da felicidade absoluta. Odaimoku é recitado nas orações, para que sua vida flua como um rio poderoso. A palavra Daimoku significa título.
Um rapaz aproximou-se de Paulinho Láparo:
- O que ele disse?
- Daimoku!
E o rapaz, olhando para um lado e outro, antes de indagar:
- Mas aqui, diante de todo mundo?

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