domingo, 27 de fevereiro de 2011

A Saga de Paulinho Láparo, o Magro - Capítulo VIII

 Toda segunda-feira, um novo capítulo

Capítulo 8º - Silêncio pétreo
  
- Deseja conhecer um encantador de pedras?
Sorrisos andavam escassos na face de Paulinho Láparo, o Magro. Passavam dias sem um esgar sequer que pudesse, pelo menos, sugerir um sorriso. Agora, estava sorrindo. Não é comum encontrar um encantador por aí. Muito menos de pedras! O último que conheceu encantava grilos. Kiba, um velho amigo. Kiba passou meses ensinando, em segredo, um grilo a dançar tango argentino. Criou suspense ao anunciar dia, hora e lugar para apresentar um espetáculo absolutamente insólito. Veio gente de televisão, amigos o prestigiaram, curiosos eram a maioria.
Um aparelho de som no canto, uma mesa no centro da sala. Sobre ela, uma caixinha dourada muito bonita, um porta-jóias. O público ao redor.
Kiba ligou o som. “Balada para um louco” tomou a sala em suaves notas que deixavam uma a uma, às vezes aos borbotões, o bandoneón encantado de Piazzola. Kiba abriu a caixinha. O grilo saltou do porta-jóias para o piso encerado da sala, sem tocar na mesa. Estacou-se por dois ou três segundos. Iniciou o primeiro passo.
Logo ele, o amigo de fé de Kiba, seu compadre-irmão, o padrinho da sua filha, João Trator:
- Olha o grilo!
O pezão do Trator espalhou entranhas de grilo na sala do espetáculo.
- E quem é o encantador de pedras?
- Sou eu, Ita Ré, encantador de pedras e outras coisas.
- E o que faz um encantador de pedras?
- Falo com elas.
A lembrança do encantador de grilos se foi. Paulinho Láparo, o Magro, quebrou uma pontinha de pez no tronco do pinheiro que lhes emprestava a sombra. Gosto amargo!
- O que fala com as pedras?
- Às vezes, consolo. Em outras, falo da minha admiração, do meu respeito por elas... Coisas assim.
- Por que uma pedra precisa ser consolada?
- Não entende nada de pedras, não é?
Ita Ré também escolheu uma bolinha de pez e levou à boca. Gosto amargo!
- Pense como um eterno expectante e confronte-se com o tempo. O que é o tempo? É o átimo do agora, quedo em passado assim que disse isso. Ninguém é senhor do tempo. Não há possibilidade de domínio sobre aquilo que deixa de existir sucessivamente e se molda, instantaneamente, em esteira de recordações. O tempo pode ser, ainda, o que há entre o beijo e o adeus, ou a fome e o pão que não vem.
Magro não sabia se estava entendendo. Assim, permaneceu calado.
Ita Ré prosseguiu:
- De onde está, a pedra entende o tempo como um pássaro sempre em voo. Ele não tem um ninho onde pousar. O que às vezes dói no coração de uma pedra é a indiferença do tempo.
- Tem como não ser assim?
- Não. Se não quer o tempo como algoz, flua com ele. Seja, também, uma sucessão de átimos.
- Como consolo, o que diz às pedras?
- Que elas são mais fortes do que o tempo. Podem ceder ao vento, nunca ao tempo!
- Quanto ao respeito a elas?
- Ofereço-lhes minha amizade sincera. O meio perfeito de respeitar.
- O que pensam as pedras sobre isso?
- Não sei, nunca me disseram nada.
Paulinho Láparo, o Magro, quebrou outra bolinha de pez e levou à boca. Gosto amargo!

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